domingo, 1 de abril de 2012

QUEM É O DONO DA LITERATURA?

Estes dias, diante dos acontecimentos políticos e culturais de minha cidade, numa discussão sobre a criação do Conselho Municipal de Cultura de Taubaté, deixei de lado algumas atribuições culturais para me perguntar: quem é o dono (ou os donos) da Literatura? Fiquei a pensar por longo tempo... seria Homero, figura na qual alguns teóricos determinam o nascimento da literatura ocidental? Mas Homero não teria deixado nada escrito, apenas narrava suas histórias, que foram escritas séculos após sua morte, sendo que muitos acreditam que ele nem mesmo existiu, e sim, vários poetas teriam participado da construção da “Ilíada”, e da “Odisséia”... e mesmo que tivesse existido, ele teria morrido há milênios e, portanto, não poderia ser dono daquilo que deixou.
Então o dono seria Hesíodo? Ele deixou obra escrita... foi o grande autor da “Teogonia” e trouxe o “subjetivo” para a literatura. Mas, novamente a ideia foi anulada pela mesma questão... ele viveu no século VIII a.c., e nos deixou há quase três mil anos...
Seria Gilgamesh, com sua Epopéia, ou Assurbanípal, que provavelmente teria reunido os poemas épicos? Seria o autor ou autores do Livro dos Mortos do Antigo Egito? Seria Moisés com seu inspiradíssimo Pentateuco, que daria origem, primeiro a religião judaica, e depois se desdobraria até nossos dias no cristianismo e islamismo? Provavelmente não... assim como Homero e Hesíodo, eles se foram, embora suas obras tenham ficado...
Fui passeando pela literatura: Alexandre Dumas, Aristófanes, Balzac, Blake, Baudelaire, Camilo Castelo Branco, Carlos Drummond de Andrade, Cervantes, Charles Dickens, Cícero, Conan Doyle, Dante, Dostoievski, Eça de Queiroz, Ésquilo, Fernando Pessoa, Florbela Espanca, Goethe, Guimarães Rosa, Herman Hesse, Horácio, José Saramago, Júlio Verne, Luiz Vaz de Camões, Machado de Assis, Maiacovski, Marcel Proust, Olavo Bilac, Ovídio, Shakespeare, Sófocles, Tolstoi, Victor Hugo, Virgílio... e outros... muitos outros!... mas todos já se foram!
Continuei pensando... e os grandes autores da atualidade?! Por acaso também não haverão de morrer um dia? Certamente... então este fenômeno maravilhoso que denominamos LITERATURA não poderia ter um dono, pois os pioneiros se foram, os grandes também, e os que ainda estão entre nós, possuem existências efêmeras, muito diferentes das suas obras imortais!
Então, se uma pessoa não poderia ser a dona da Literatura, poderia ser uma instituição?! As Academias de Letras!? Bem... o termo academia historicamente surgiu em 387 a.c., com uma escola fundada pelo filósofo grego Platão, nas proximidades de Atenas, junto a um jardim que teria pertencido ao herói ateniense da guerra de Tróia, Academus. Daí a origem do termo academia. Platão pretendia contribuir com os variados campos do conhecimento humano, congregando pessoas com a mesma intenção sublime de elevarem a cada dia, suas capacidades intelectivas e culturais! Na Academia de Platão estudaram, dentre outros, Xenócrates e Aristóteles e ela serviria de inspiração para várias outras que surgiriam pelo mundo grego, e também para as futuras universidades que se espalhariam, séculos depois, pelo ocidente.
Nos séculos XIII e XIV, surgiram algumas academias pela Europa. Por volta de 1440, nasceu em Florença, na Itália, a Accademia Platônica, sendo um grande marco da renascença italiana, espalhando pelo mundo a luz das obras de Platão, bem como aprofundando o estudo da língua italiana e do grandioso poeta de Florença, Dante Alighieri.
Em 1635 foi fundada a famosa Academia Francesa que serviria de modelo à Academia Brasileira de Letras! A Academia buscaria tornar a língua francesa “pura, eloqüente, e capaz de tratar das artes e ciências”. Estabeleceu-se que a Academia apresentaria quarenta cadeiras, com um patrono e um ocupante cada. O patrono seria uma personalidade de destaque nas letras e na cultura, porém, já falecido. Cada ocupante obteria tal condição ao ser eleito, após ter sido candidato à vaga, momento no qual apresentaria seu currículo e obras. Ao ser eleito, o acadêmico tomaria posse de sua cadeira, em sessão solene, realizando discurso em memória de seu antecessor naquela cadeira.
No Brasil, a primeira academia fundada foi a Academia Cearense de Letras, em 1894 e em 1897, após algumas décadas de demasiado aumento da efervescência cultural na cidade do Rio de Janeiro, onde se realizavam inúmeras reuniões e surgiam muitas publicações e periódicos literários, foi fundada à Academia Brasileira de Letras, tendo sido seu primeiro presidente o genial escritor Machado de Assis. Em 1909, surge na cidade de São Paulo a Academia Paulista de Letras, seguindo os moldes da Academia Brasileira. Aos 28 de maio de 1999, é fundada a Academia Taubateana de Letras, e em 2001, a atual Academia Valeparaibana de Letras e Artes.
Mas fazendo uma pequenina reflexão, podemos chegar a certas conclusões. Primeiro, pode, num país com quase duzentos milhões de habitantes, a Academia Brasileira de letras ser considerada a dona da Literatura? Existirem apenas 40 pessoas dignas de representar a literatura pátria? Carlos Drummond de Andrade, Monteiro Lobato, Mário Quintana, dentre outros, não poderiam representá-la por não terem pertencido á ABL?
Voltando o foco ao nosso município, as duas Academias, aqui instaladas poderiam ser consideradas as proprietárias da Literatura Taubateana? Taubaté, que possui quase trezentos mil habitantes, teria como representantes de sua literatura, unicamente os membros das Academias fundadas respectivamente em 1999 e 2001? E a Seção de Taubaté da UBT - União Brasileira de Trovadores, fundada no fim da década de 1960 pelo memorável Prof. Cesídio Ambrogi? E o Clube dos 21 Irmãos-Amigos de Taubaté, fundado em 1965, pelo notável Dr. José Ortiz Monteiro Pato? E o Movimento Poetas do Vale, fundado em 2004 e a Confraria do Coreto, fundada em 2009, que já realizaram quase 150 eventos juntos? E os poetas, romancistas, cronistas, jornalistas, contistas, professores e outros literatos que não participam das Academias? Não poderiam representar a literatura taubateana por não terem uma cadeira numa das duas Academias ora existentes?
E a União Brasileira de Escritores – UBE, tradicional instituição literária do país, que conta com mais de quatro mil membros, fundada em São Paulo, em 1958, que tem seu Núcleo regional, recém fundado e instalado em Taubaté? E o Movimento União Cultural, fundado em Taubaté em 2010?
Como simpatizante da democracia, do direito do povo de escolher seus destinos, penso que a Literatura tem sim um dono autêntico, e este é o povo. Ela é fruto do povo e feita para o povo. Ela nasceu da necessidade do povo de registrar, de criar, de inspirar... a literatura, sendo do povo para o povo, não pode ser, no futuro Conselho Municipal de Cultura de nossa urbe, cercada pelos muros invisíveis das Academias. Temos tantos escritores e vários grupos literários, e, portanto, os próprios escritores devem escolher seus representantes, e não deixar que sejam indicados como eram nomeados os políticos para os postos importantes nos governos ditatoriais.
Nada contra as Academias, até por que pertenço a uma delas e tenho especial contato com vários membros da outra, mas que a justiça e a democracia seja respeitada e que este Conselho nasça para representar realmente uma classe, e não parte dela, indicando-se instituições e olvidando outras, tão importantes, e até, posso asseverar, mais ativas.
Que, como Platão, possamos enxergar além da Caverna da ignorância, dos muros das vaidades, e que vejamos que, embora as Academias tenham suas funções dignas, são partes de um processo, e não o processo todo!
LUIZ ANTONIO CARDOSO

5 comentários:

  1. As academias de letras do Brasil são uma comédia. Já colocaram até jogador de futebol lá... E a cada dia a situação por aqui só piora...
    Tem até uma vereadora que... gosta de roxo... que participa da academia de letras de taubaté... ela não sabe nem falar direito!!!!

    Isso é um atentado aos escritores... se é que eles existem como antes...

    O fato é o seguinte: Instituição é um lixo, não serve para nada, a não ser manter um capital de giro, lucrativo para o governo, ou, no caso de Taubaté, um nome especial entre os outros gestores do poder!

    A literatura no Brasil é uma instituição falida!

    Ainda há um processo muito mais profundo pra ser instaurado, e diz respeito à estruturação da educação e da cultura do povo alienado do Brasil!

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    1. Ótimo texto Luís!

      As Academias são necessárias, assim como quaisquer outras organizações civis. Embora as academias, da maneira que se apresentam hoje, tenham em sua função politica grande destaque, vide nossa ABL, elas são organizações que podem realizar muito.

      Quanto a declaração de que a "A literatura no Brasil é uma instituição falida!" A literatura não é uma instituição falida, pois simplesmente não é passível de falir. No Brasil, assim como em muitas outras culturas pós-coloniais, a relação entre o leitor é o público é problemática, mas isso nunca impediu de termos grandes nomes em nosso panteão.
      Taubaté, em minha opinião, devido aos eventos realizados pelos vários grupos que Luís citou, é um exemplo para o vale do paraíba de como podemos nos organizar e fazer efervescer a literatura, viva, no seio da sociedade.
      Parabéns Luís, continue assim!

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    2. O Luiz Antônio é um intelectual de primeira linha, capaz de produzir textos como este, demonstrando profundo conhecimento daquilo que diz.
      O assunto em questão é a formacão do Conselho de Cultura. Então começam as dificuldades previstas.Para ter representação no conselho deve haver entidade constituida oficialmente, com diretoria, CGC, etc.Aquele que estiver representando deverá ter abertura suficiente para ser amplo e aberto aos diálogos necessários.Tem que haver seriedade. Meu medo é que o conselho seja formado por pessoas inescrupulosas e preconceituosas como o amigo aí, acima que nem começou e já está desmerecendo as Academias, e, mais ainda , desmerecendo um membro de Academia, provavelmente desconhecido pelo fulano.A moça de vestido roxo é professora muito conceituada na Escola onde leciona, apresentando um excelente desempenho, desenvolvendo projetos culturais interessantes, além de ser posgraduada com Mestrado em literatura. Não é válido ser desqualificada por alguém que não a conhece. Isto cria condições para que temamos uma votaçãoo direta, pois não sabemos quantas pessoas preconceituosas iguais a esta estará votando.Paulo Pereira

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  2. Bravíssimo!!! Uma verdadeira aula, fico honrado de fazer parte do seu círculo de amizade. Parabéns!
    André Biac

    PS: Vc e o Tangram me autorizam a distribuir cópias desse texto no dia da próxima audiência pública?

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  3. Luiz, parabéns pelo texto. Excelente. A questão não é criticar essa ou aquela instituição. Para participar do Conselho não precisa ter diretoria, etc... Apenas comprovar por meio de documentos, fotos, materias, jornais, tv, etc as ações praticadas em determinado tempo, ou seja, para participar é necessário participar de grupos formais OU INFORMAIS, desde que tenham ações e trabalhos voltados para fomentar a cultura. Para o conselho o importante é que as cadeiras (não só da literatura) sejam ocupadas por pessoas ativas, que façam algo e estejam envolvidas com os movimentos culturais. Engravatados, letrados e inertes não farão diferença, seja quem for, que seja atuante. André quanto a distribuição do texto o Tangram naõ tem objeção, consultar o colunista, colocar apenas o link do tangram, coluna União Cultural e o nome do autor. Abraços

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